quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

Vamos debater questões de gênero?

por Roberto Dalmo do Brasil Post        

Em Araguaína (TO) um vereador marcou “uma conversa” sobre ideologia de gênero e a “desconstrução do conceito de família tradicional”.

Gostaria de iniciar este texto com uma afirmação:
Até hoje, não vi uma pessoa falando contra a “ideologia” de gênero que conseguisse trazer um conceito adequado sobre gênero. Um dia eu vi uma pessoa dizendo que essa teoria instigaria a criança se tornar homossexual.

Outra vez ouvi pessoas falando que eram contra a “ideologia” de gênero porque as crianças passariam a frequentar o mesmo banheiro e outras questões que seriam cômicas, se não fosse desrespeitoso rir dessa desinformação. Uma desinformação que mata. Desinformação que mantém a população sem a capacidade de se indignar com algumas questões e vou dar alguns exemplos.

A incapacidade do povo enfrentar o machismo de maneira simbólica ou até mesmo de forma mais explícita quando, por exemplo, deixam de empregar mulheres. Sim. Já teve um caso que uma pessoa próxima falou: “ah, mas eu não dei a vaga pra ela… você sabe… não confio em mulher”.

Na hora da entrevista, ninguém assumiria uma postura dessa, mas a realidade se faz presente em um momento de “descontração”. Se ouvi isso uma vez, quantas vezes pode ter acontecido?

Outro exemplo se dá no que se refere a homossexualidade – um sinal de que a sociedade deve ficar alerta é o recente caso da menina que foi estuprada pelo próprio pai para “virar mulher”.

Outro sinal de que a sociedade deve ficar alerta é a baixa capacidade de indignação das pessoas com um caso como esse.

Cada vez mais ouvimos relatos sobre a morte de transsexuais e as pessoas que firmam a fala contra um “estudo sobre gênero”, dizendo que é “doutrinação” são incapazes de perceber que a vida dessas pessoas está vulnerável à violência e está em jogo.

A bandeira da vida é muito falada quando o aborto é discutido, mas é silenciada quando é a vida de um adulto que, por sua sexualidade ou pela sua identidade de gênero, ou pelo seu gênero é acabada, graças a homofobia, ao machismo, à transfobia.

A vida é desvalorizada quando não se vive com dignidade.

Vocês não são os guardiões dos bons costumes? Onde está o bom costume do respeito ao próximo?

O bom costume da valorização da dignidade humana.

Onde está a valorização da vida das pessoas que são assassinadas todos os dias por crime de ódio?

Enquanto a família dos bons costumes se cala, surge na escola, mais do que uma vontade, uma necessidade de conversar sobre gênero.

E conversar sobre gênero é desenvolver um olhar sensível pra uma sociedade que se diz defensora da vida, mas se cala diante dos crimes de ódio motivados por questões de gênero.

Uma sociedade que se diz defensora dos bons costumes, mas não adota o bom costume de respeitar o próximo.

Se a família não discute questões de gênero, se a escola não discute, quem irá discutir?
Reparem que não citei como “verdadeira” uma visão sobre gênero, mas a necessidade de discutir sobre gênero.

Isso muda tudo!

O que está em jogo não é a defesa de uma visão, mas a defesa de poder discutir ou não sobre algo.
A liberdade de debate não é mais democrática do que uma proposta que vai contra o debate sobre gênero? A proposta que vai contra diz: “Não podemos falar sobre gênero!”

E eu digo: não importa o viés, mas temos que debater. A possibilidade do debate é um dos maiores ganhos da nossa sociedade democrática e, quando meia dúzia de políticos diz o que os educadores devem ou não fazer, quando meia dúzia de políticos querem calar a educação, se aceitamos, entramos numa profunda crise. Não podemos deixar isso acontecer.

Por isso a minha posição defende o diálogo e, principalmente, o debate sobre gênero.

Só assim podemos desenvolver uma sociedade mais madura e disposta a enfrentar os diversos crimes de ódio que ocorrem todos os dias.

Uma sociedade mais madura que, aí sim, estará defendendo os bons costumes. Os bons valores, o afeto com o próximo, o valor de estima e a compaixão com aqueles que são diferentes de nós.

Se existe algo que queremos destruir na família tradicional é a falta de diálogo entre pais e filhos.

Se há algo que queremos destruir da família tradicional é a existência de tabus que fazem com que pessoas se suicidem por falta de respeito a sua sexualidade; queremos destruir hábito de mandar a filha lavar a louça e deixar o filho vendo futebol; queremos destruir um monte de coisa da família tradicional.

Mas queremos substituir tudo que for destruído por respeito. Pode ser?

Um abraço a todos.


FONTE: geles.org.br. Acessado em 12-02-2016.

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