Em
Araguaína (TO) um vereador marcou “uma conversa” sobre ideologia de gênero e a
“desconstrução do conceito de família tradicional”.
Gostaria
de iniciar este texto com uma afirmação:
Até hoje,
não vi uma pessoa falando contra a “ideologia” de gênero que
conseguisse trazer um conceito adequado sobre gênero. Um dia eu vi
uma pessoa dizendo que essa teoria instigaria a criança se tornar homossexual.
Outra vez
ouvi pessoas falando que eram contra a “ideologia” de gênero porque as crianças
passariam a frequentar o mesmo banheiro e outras questões que seriam cômicas,
se não fosse desrespeitoso rir dessa desinformação. Uma desinformação que mata.
Desinformação que mantém a população sem a capacidade de se indignar com
algumas questões e vou dar alguns exemplos.
A
incapacidade do povo enfrentar o machismo de maneira simbólica ou até mesmo de forma
mais explícita quando, por exemplo, deixam de empregar mulheres. Sim. Já teve
um caso que uma pessoa próxima falou: “ah, mas eu não dei a vaga pra ela… você
sabe… não confio em mulher”.
Na hora
da entrevista, ninguém assumiria uma postura dessa, mas a realidade se faz
presente em um momento de “descontração”. Se ouvi isso uma vez, quantas vezes
pode ter acontecido?
Outro
exemplo se dá no que se refere a homossexualidade – um sinal de que a sociedade
deve ficar alerta é o recente caso da menina que foi estuprada pelo próprio pai
para “virar mulher”.
Outro
sinal de que a sociedade deve ficar alerta é a baixa capacidade de indignação
das pessoas com um caso como esse.
Cada vez
mais ouvimos relatos sobre a morte de transsexuais e as pessoas que firmam a
fala contra um “estudo sobre gênero”, dizendo que é “doutrinação” são incapazes
de perceber que a vida dessas pessoas está vulnerável à violência e está em jogo.
A
bandeira da vida é muito falada quando o aborto é discutido, mas é silenciada
quando é a vida de um adulto que, por sua sexualidade ou pela sua identidade de
gênero, ou pelo seu gênero é acabada, graças a homofobia, ao machismo, à transfobia.
A vida é
desvalorizada quando não se vive com dignidade.
Vocês não
são os guardiões dos bons costumes? Onde está o bom costume do respeito ao
próximo?
O bom
costume da valorização da dignidade humana.
Onde está
a valorização da vida das pessoas que são assassinadas todos os dias por crime
de ódio?
Enquanto
a família dos bons costumes se cala, surge na escola, mais do que uma vontade,
uma necessidade de conversar sobre gênero.
E
conversar sobre gênero é desenvolver um olhar sensível pra uma sociedade que se diz defensora da
vida, mas se cala diante dos crimes de ódio motivados por questões de gênero.
Uma
sociedade que se diz defensora dos bons costumes, mas não adota o bom costume
de respeitar o próximo.
Se a
família não discute questões de gênero, se a escola não discute, quem irá
discutir?
Reparem
que não citei como “verdadeira” uma visão sobre gênero, mas a necessidade de
discutir sobre gênero.
Isso muda
tudo!
O que
está em jogo não é a defesa de uma visão, mas a defesa de poder discutir ou não
sobre algo.
A liberdade
de debate não é mais democrática do que uma proposta que vai contra o debate
sobre gênero? A proposta que vai contra diz: “Não podemos falar sobre gênero!”
E eu
digo: não importa o viés, mas temos que debater. A possibilidade do debate é um
dos maiores ganhos da nossa sociedade democrática e, quando meia dúzia de
políticos diz o que os educadores devem ou não fazer, quando meia dúzia de
políticos querem calar a educação, se aceitamos, entramos numa profunda crise.
Não podemos deixar isso acontecer.
Por isso
a minha posição defende o diálogo e, principalmente, o debate sobre gênero.
Só assim
podemos desenvolver uma sociedade mais madura e disposta a enfrentar os
diversos crimes de ódio que ocorrem todos os dias.
Uma
sociedade mais madura que, aí sim, estará defendendo os bons costumes. Os bons
valores, o afeto com o próximo, o valor de estima e a compaixão com aqueles que
são diferentes de nós.
Se existe
algo que queremos destruir na família tradicional é a falta de diálogo entre
pais e filhos.
Se há
algo que queremos destruir da família tradicional é a existência de tabus que
fazem com que pessoas se suicidem por falta de respeito a sua sexualidade;
queremos destruir hábito de mandar a filha lavar a louça e deixar o filho vendo
futebol; queremos destruir um monte de coisa da família tradicional.
Mas
queremos substituir tudo que for destruído por respeito. Pode ser?
Um abraço
a todos.
FONTE: geles.org.br.
Acessado em 12-02-2016.
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