Por Alex Hercog (assessor de comunicação da Associação Vida Brasil e membro do CBCom -
Coletivo Baiano pelo Direito à Comunicação).
De acordo com o cineasta Fernando Birri, a utopia é algo que está no horizonte e serve para fazer o indivíduo caminhar, ainda que ela se distancie a cada passo. Esse pensamento do argentino, erroneamente atribuído ao uruguaio Eduardo Galeano, resume bem a trajetória dos movimentos pela democratização da comunicação no Brasil.
Por aqui, a utopia se chama Marco Regulatório das Comunicações. Na
Argentina e no Uruguai, por exemplo, ela se chamava “Ley de Medios”. Por lá,
nos últimos anos, esse hori-zonte foi alcançado e agora o que motiva a
caminhada é que as leis criadas possam ter incidência prática e, de fato,
democratizar a comunicação nesses países.
No Brasil, a busca por um marco legal que venha a regulamentar os
artigos constitucionais referentes à Comunicação Social é o principal
aglutinador político dos movimentos no País. Com esta perspectiva política é
que surgiu o FNDC (Fórum
Nacional pela Democratização da Comunicação), em 1991, reunindo diversas
entidades, atualmente cerca de 300.
Após a primeira Conferência Nacional de Comunicação, em 2009, o FNDC
lançou a Plata-forma para o Marco Regulatório das Comunicações. Em 2012, a
partir desse texto base, foi lançado pelo movimento social o Projeto de Lei de
Iniciativa Popular da Mídia Democrática, com a proposta de coletar
assinaturas, a partir da Campanha “Para
Expressar a Liberdade”, e encaminhá-las ao Congresso.
No entanto, a quantidade de assinaturas coletadas tem sido muito abaixo
das expectativas e em muitos Estados a mobilização tem se enfraquecido. Para
piorar, uma previsão “anti-utópica”: não haverá o Marco Regulatório nos
próximos três anos. Provavelmente nem nos próximos sete, talvez nem em onze
anos.
Promessa do governo Lula, o projeto de lei nunca foi apresentado, muito
provavelmente pelo receio do ex-presidente de enfrentar a grande mídia, justo
em um período em que ele já sofria duros ataques midiáticos com o objetivo de desestabilizar
o seu governo. Já no mandato de Dilma, essa pauta foi abortada e só surgiu
novamente durante a campanha eleitoral de 2014. Vencida a eleição, Dilma voltou
a se abster dessa discussão. Ou seja, os governos petistas, favoráveis à
regulamentação, não conseguiram ou não quiseram defender esse projeto.
Além disso, o Brasil possui hoje uma de suas piores composições
parlamentares da história. O Congresso é conservador e, de acordo com o Intervozes, 44 deputados
federais e senadores são detentores de concessões de Rádio e TV. Desta forma, o
cenário político do País não prevê a possibilidade de regulamentar a
comunicação, por inércia do governo e porque isso contraria os interesses dos
parlamentares.
Em 2018, caso o improvável ocorra e o PT ganhe novamente a presidência,
será difícil acre-ditar em promessas que não se concretizaram em 16 anos de
poder. Se o PSDB ganhar, a pauta da regulamentação retrocede e serão mais
quatro ou oito anos de caminhada rumo ao horizonte inalcançável.
No entanto, a utopia de Fernando Birri se ratifica na prática quando se
observa que todos esses anos não foram em vão. Apesar de os movimentos de
comunicação no Brasil não terem alcançado o Marco e nem tenham um cenário propício
para alcançá-lo, muitos avanços estão ocorrendo.
No final de maio de 2015, a Rede Bandeirantes fechou um acordo com o
Ministério Público Federal em São Paulo e terá que exibir 72 vezes, durante os
intervalos dos programas Brasil Urgente e Jornal da Band,
uma campanha que mostre a diversidade religiosa do Brasil, afirmando a
laicidade do Estado. Essa decisão foi decorrente de uma ação movida contra a
emissora após o apresentador José Luiz Datena ofender ateus e atribuir um
homicídio à “ausência de Deus” por parte do assassino.
Uma semana depois, a Band Bahia também foi condenada, novamente após
infrações cometidas em um programa policial, desta vez o Brasil Urgente
Bahia. O episódio, conhecido como “caso Mirella Cunha”, se refere à
exibição ao vivo em que a repórter humilha e debocha de seu entrevistado,
acusado de cometer um estupro. Para o juiz da sentença, Mirella Cunha “superou
qualquer limite de ética e bom senso na atividade jornalística” e lembrou que
até mesmo acusados de crimes hediondos possuem direitos básicos dentro de um
Estado Demo-crático de Direito. A punição da Band foi o pagamento de R$ 60 mil
por dano moral coletivo.
Já no final de junho de 2015, o Supremo Tribunal Federal (STF) iniciou o
julgamento de pontos fundamentais da “Lei da TV Paga”, sancionada em 2011. O
processo defendido pela Sky e DEM busca derrubar alguns pontos da lei que
regula a TV fechada. O relator da ação é o ministro Luiz Fux, que deu voto
favorável à Lei. Na defesa de seu voto, ele garantiu a constitucionalidade da
cota exigida para exibição de produção nacional e o veto à propriedade
cruzada¹. O ministro afirmou que a Lei da TV Paga contribui para a diversidade
de conteúdo e de novos produtores, além do que o controle de mercado está
previsto na Constituição e visa a “coibir o abuso do poder econômico e evitar a
concentração excessiva dos mercados”. Após recesso em julho, a votação
continuará no STF.
Mas, os bons exemplos não estão apenas no Judiciário. Na sociedade,
organizada ou desorganizada, pessoas, coletivos e entidades vêm contribuindo
para democratizar a comuni-cação no Brasil. Cada um ao seu modo, seja
debatendo, seja produzindo.
Em uma página no Facebook, o Jornal Alemão
Notícias, com mais de 12 mil seguidores, publica notícias de interesse do
Complexo do Alemão (Rio de Janeiro). Não raro são feitas coberturas em tempo
real de ações policiais como forma de proteger seus moradores de possí-veis
arbitrariedades cometidas pela polícia. É a comunicação como arma de defesa em
um ambiente em que a ausência do Estado só é preenchida pela força policial.
Em Fortaleza, o Coletivo Nigéria produz
documentários como o filme Com Vandalismo, que aborda as
manifestações de junho de 2013, apresentando perspectivas excluídas da
cobertura da grande mídia durante os protestos. Na Bahia, o portal Correio Nagô publica
notícias com um recorte racial para ocupar o vazio deixado pela mídia
tradicional, que exclui os negros de sua pauta. Com essa mesma perspectiva,
jovens jornalistas baianas recém-formadas produzem a Revista Afirmativa.
No interior da Bahia, a rádio comunitária Coité FM, que desde 1998
luta por uma concessão pública, usa a internet para transmitir seus programas e
reportagens, boa parte cobrindo acontecimentos do município. Nas tribos, o Cine Kurumin aproxima os
indígenas da produção cinematográfica, resultando em obras realizadas pelos
próprios índios. Em toda a internet, surgem blogueiros produzindo conteúdo e
debatendo a mídia tradicional. Internet esta que, por sua vez, representa outro
avanço no Brasil. No caso, o Marco Civil da Internet, aprovado em 2014 e que é
exemplo para todo o mundo. No período da votação, o movimento social, alguns
deputados e o governo federal tiveram papel chave para garantir alguns pontos
fundamentais, como a neutralidade da rede, contrariando os interesses das
grandes empresas de telecomunicações e representando um ganho para a sociedade.
Ou seja, enquanto o Marco Regulatório das Comunicações é algo utópico, o
desejo por demo-cratizar a comunicação tem feito com que diversas pessoas e
entidades caminhem. Se aproximam dois passos, e o Marco se afasta dois passos.
Andam dez passos e o horizonte se distancia dez passos. E assim os movimentos
pela democratização da comunicação no Brasil seguem caminhando...
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¹O objetivo de limitar a propriedade cruzada é restringir que um mesmo grupo empresarial controle hegemonicamente as emissoras de TV e Rádio, revistas e jornais impressos de um determinado município para, assim, seguir a Constituição e impedir o monopólio. Países como Estados Unidos, Argentina e Inglaterra, por exemplo, também limitam a propriedade cruzada.
¹O objetivo de limitar a propriedade cruzada é restringir que um mesmo grupo empresarial controle hegemonicamente as emissoras de TV e Rádio, revistas e jornais impressos de um determinado município para, assim, seguir a Constituição e impedir o monopólio. Países como Estados Unidos, Argentina e Inglaterra, por exemplo, também limitam a propriedade cruzada.
FONTE: http://abong.org.br/informes.php?id=8893&it=8895.
Acessado em 02/07/2015.
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