Novo livro provoca: há conexão evolutiva profunda entre seres humanos e
o lúdico. Mas vida institucionalizada está desalojando infância de atividade
indispensável para desenvolver conhecimento afetivo e intelectual
Com
exceção à escravidão, casos de trabalho infantil intenso e extremo abuso, essa
é a primeira vez na história que largos contingentes de crianças não estão
tendo a oportunidade de brincar, explorar livremente o ambiente e desenvolver
as habilidades que florescem nesse tipo de atividade.
Essa é a
opinião do pesquisador Peter Gray, autor
do livro “Free to Learn” (Livres para aprender, em tradução livre). “Com mais e
mais tempo gasto na escola, fazendo
lição de casa ou em atividades ligadas ao mundo adulto, hoje temos crianças
mais ansiosas, deprimidas e narcísicas. Isso é resultado da vida restritiva que
impomos a elas hoje”, avalia Gray, em entrevista ao Public Radio International.
Segundo o
autor, a humanidade, desde os tempos de caçador-coletor, sempre
aprendeu a ser adulto, brincando. “É explorando livremente e jogando, desde os
quatros anos, que as crianças desenvolvem habilidades essenciais de se
relacionar, de resolver problemas e conhecer uns aos outros”, acredita o autor.
A opinião
de Gray é uma das que embasa a cartilha “The Case
For Play” (A Defesa Do Brincar, em tradução livre), da ONG
australiana Playground Ideas, que defende que a
brincadeira é um fator importante no desenvolvimento infantil e pode,
inclusive, ajudar a eliminar desigualdades sociais e econômicas.
Brincar,
necessidade humana
Em sua
introdução, a cartilha nos lembra que a brincadeira é um fenômeno universal,
encontrado em todas culturas humanas e em diversas espécies de mamíferos. Há,
assim, uma conexão evolutiva profunda dos seres humanos com o lúdico, dimensão
que cumpre um papel importante no desenvolvimento integral –
cognitivo, afetivo e social – dos indivíduos. Com a vida institucionalizada e
cada vez mais urbana da atualidade, a infância se encontra desalojada do seu
direito ao brincar.
Hoje,
cerca de 90% da população infantil mundial está em escolas. Mas, cerca de dois
terços destes estudantes têm falhado em chegar nos marcos básicos de
aprendizado. “Para milhões de crianças no mundo em desenvolvimento, a escola é
caracterizada por classes superlotadas e professores sem formação adequada.
Milhões de crianças vulneráveis entram na adolescência sem as ferramentas
necessárias para escapar do ciclo da pobreza”.
Crianças
que brinca, adulto que se desenvolve
Diversos
estudos longitudinais – feitos ao longo de até quarenta anos-, mostraram
que investimento em políticas de primeira infância têm enormes retornos
sociais. Um deles, conhecido como “The Jamaica Study”, mostrou que crianças que
tiveram estímulo ao brincar desde cedo se desenvolvem melhor.
O estudo
acompanhou crianças que sofriam de desnutrição e viviam em comunidades
vulneráveis. Elas passaram a receber, por dois anos, duas visitas lúdicas
semanais. Vinte anos depois, os jovens que receberam esse cuidado tiveram
salários 42% maiores, desenvolvimento cognitivo superior, habilidades
psicossociais desenvolvidas e menor ansiedade e depressão.
Outra
pesquisa, feita em escolas primárias, mostrou que, quando uma metodologia
lúdica é aplicada desde cedo, os adultos apresentam maior escolaridade – foi
registrado um aumento de 44% no ensino médio e 17% no nível universitário.
“Os
benefícios econômicos e sociais de uma abordagem amigável ao brincar em um
programa de pré-escola foram de 244,812 dólares retornados ao longo de 40 anos
para um investimento 15,166 dólares por participante. Além disso, diversos
estudos ilustram que os efeitos de brincar desde cedo ajudam a desenvolver
alfabetização, leitura, familiaridade com números, criatividade. Se nós vamos
equipar crianças com as habilidades para florescer neste mundo em
transformação, experiências lúdicas significativas são essenciais”, afirma a
publicação.
Direito
ao brincar
Para
reverter o quadro atual, a cartilha defende que governos, escolas, gestores e
pais pensem e lutem cada vez mais por políticas públicas que garantam às
crianças o direito ao brincar, sumarizados em três passos:
Garantir
que toda criança com menos de 12 anos tenha acesso a um espaço seguro e
estimulante para brincar – As escolas e creches podem
funcionar como espaços garantidores deste direito, com prioridade para
atividades ao ar livre.
Enfatizar
a importância de brincar desde cedo – O brincar é importante para
toda infância, mas até os três anos de idade são cruciais. Brincadeiras
regulares podem ser um eficiente meio de combate aos efeitos negativos da
vulnerabilidade social.
Priorizar
o brincar como um direito básico de crianças em situações de crise – Em
tempos de guerra, migracão forçada e em campos de refugiados, brincar é
essencial para contrabalancear os efeitos negativos das situações de emergência
no desenvolvimento infantil.
O estudo
completo, em inglês, pode ser acesso na íntegra na internet. Lá, o leitor
encontra diversos insumos e pesquisas que ajudam a assegurar o direito a uma
infância plena. Acesse “A Defesa Do Brincar”.
FONTE: Outras Palavras.
Acessado em 05/11/2015.
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