Daniel
Giovanaz | Maruim | Florianópolis
Advogada do Sindicato dos Empregados Domésticos de Florianópolis, Maria Teresa Wiethorn da Silva analisa direitos conquistados após a sanção da PEC das Domésticas e relata casos de assédio e abuso sexual cometidos por empregadores
Os empregados em serviços
domésticos representam 6,5% dos trabalhadores ativos do país. Apesar dos
avanços conquistados pela categoria, cerca de dois terços deles não possuem
carteira assinada.
No início
de junho, a presidenta Dilma Rousseff sancionou a lei complementar 150/2015,
que regulamenta a chamada “PEC das Domésticas”. Essa Proposta de Emenda
Constitucional havia sido aprovada pelo Congresso Nacional em abril de 2013,
mas muitos direitos ainda precisavam ser regulamentados para entrar em vigor.
Em
Florianópolis e em São José (SC), 30 mil empregados domésticos são
representados pelo Sindicato dos Empregados Domésticos da Grande Florianópolis,
que atende em média 90 pessoas por semana, entre faxineiras, arrumadeiras,
motoristas, governantas, babás, jardineiros e cuidadores de idosos.
A
advogada do sindicato, Maria Teresa da Silva, analisa que os efeitos da sanção
da PEC das Domésticas serão percebidos a médio e longo prazo. Ela também alerta
para a recorrência de casos de assédio moral, abuso sexual e injúria racial em
Florianópolis, e afirma que a legislação não é capaz de prevenir esses
episódios: “É um conflito permanente, porque é um conflito de classe social”.
Confira a entrevista completa.
A chamada
PEC das Domésticas contempla as principais reivindicações da categoria?
Em grande
medida, sim. Agora, quem trabalha na casa de uma família tem direito aos mesmos
benefícios de quem trabalha numa empresa ou numa fábrica, por exemplo. A
categoria está conquistando cada vez mais direitos, e essa é uma luta que vem
desde os tempos da escravidão.
Mesmo que
hoje 70% dos empregados domésticos de Florianópolis e São José ainda trabalhem
na informalidade, eles costumam entrar na Justiça depois que termina o vínculo
com a casa do empregador. E mesmo esses, que não têm carteira assinada, serão
beneficiados pela PEC, porque agora têm direitos a mais a reivindicar.
A sanção
da presidente Dilma Rousseff altera imediatamente o rumo dos processos e ações
judiciais aqui na Grande Florianópolis?
Não. O
que a gente vai ter que fazer é entrar com ações na Justiça para depois cobrar
o pagamento do fundo de garantia, por exemplo. Mas sempre que há uma alteração
na lei, a gente precisa de um tempo de adequação, para ver como o Judiciário
vai se comportar em casos semelhantes, e assim basear nossa atuação nessas
decisões judiciais que vão vir. Então tem que esperar. Muita gente faz acordos
bem razoáveis, mas falta um posicionamento do tribunal. A construção é muito
longa, e daqui a uns dois ou três anos é que isso vai amadurecer, e aí vamos
ter mais subsídios para atuar e basear nossa postura aqui no sindicato.
É
possível que a regulamentação dos direitos leve a um aumento do número de
trabalhadores informais, caso muitos empregadores se recusem a pagar todos os
benefícios previstos na lei?
Sim. Na
verdade, precisamos esperar para ver como isso vai ficar. Por exemplo, antes
não precisava pagar o fundo de garantia, agora é obrigatório; o adicional
noturno também. E cada alteração dessas gera no mercado certa insegurança,
porque a gente fica esperando como é que os empregadores vão reagir, como é que
os empregados vão reagir, se vai ter muita gente saindo do trabalho formal para
trabalhar, por exemplo, como diarista — que, mesmo sem carteira assinada,
costuma ganhar mais que a empregada doméstica registrada.
As
rescisões contratuais que você acompanha diariamente costumam ser pacíficas?
Não
exatamente. A maioria das ações são de empregados que trabalham na
informalidade e vêm até o sindicato para ingressar com um processo para
requerer a assinatura da carteira, o recolhimento do INSS desse período todo, e
os direitos que são decorrentes disso: férias, aviso prévio, vale-transporte,
etc. Mas também recebemos relatos de casos mais graves, como de assédio.
Que tipo
de assédio?
Agressão
verbal é sempre, o tempo todo. Até nós, do sindicato, somos agredidas
verbalmente pelos empregadores! Enfim, a gente costuma dizer que toda vez que
se encerra um contrato tem agressão verbal. É muito difícil não ter, é exceção.
Ontem mesmo entrei com uma ação, a partir de um boletim de ocorrência
protocolado em abril, aqui em Florianópolis [veja a imagem acima].
Também há
registros de agressões físicas?
Sim. Em
média, a cada dez rescisões de contrato, três resultam em agressão física por
parte do empregador. E tem casos de assédio sexual também.
Logo nos
meus primeiros anos aqui, chegou até nós o caso de um empregador que abusava
sexualmente de sua empregada. Ele era médico e dava remédios para ela dormir,
para poder abusar dela. Foi ela quem veio até nós. A menina era jovem, e mais
tarde enfrentou problemas psicológicos em decorrência disso. A vida dela
praticamente terminou ali, pelo trauma. Eram três empregadas na casa desse
médico, e todas as três sofriam assédio sexual — as outras duas procuraram
advogados, e não vieram até o sindicato. Nós entramos com uma ação contra o
empregador, e provou-se que de fato houve esse abuso. Estipulamos um valor,
fizemos um acordo, e ele pagou.
Como
reunir provas nesses casos?
Com a
internet, fica mais fácil nos casos de assédio, por exemplo. Tem muita conversa
pelo Whatsapp que a gente usa como evidência. Isso nos ajuda muito.
Tem empregadores que vivem ameaçando os trabalhadores pelo Whatsapp, aí a gente
não perde tempo.
Você já
recebeu alguma denúncia de injúria racial?
Sim,
inclusive tem um caso bem recente. Entrei com processo esta semana. O homem era
motorista, negro, e trabalhou quatro anos na casa do empregador. No total, eram
cinco empregados na casa, mas um é que sofria mais com o racismo, e fez a
denúncia. Muitas testemunhas confirmaram que o dono da casa costumava dizer ao
motorista as seguintes frases: “A Princesa Isabel assinou a Lei Áurea a lápis.
Cuidado, você vai voltar pro tronco a qualquer momento!”. Outra que ele
costumava dizer era “Empregado de cor a gente tem mesmo é que dar banana!”.
Tudo isso está descrito no processo, e segundo as testemunhas eram frases
recorrentes. O empregador fazia jantas, churrascos, chamava a “nata” da
sociedade, e proferia essas frases na frente de todos. Isso que ele já tinha
pagado 20 mil reais em indenização por ter cuspido e dito as mesmas frases a
outra moça que trabalhava lá…
Para quem
vocês encaminham os casos dessa natureza?
Primeiro,
a gente pede para o empregado ir à delegacia fazer um boletim de ocorrência.
Depois, entramos na Justiça do Trabalho para tentar indenização por danos
morais. Mas é muito difícil reunir provas no trabalho doméstico, porque
geralmente estão só ele e o empregador em casa. Quando há quatro, cinco
empregados domésticos na mesma residência, fica mais fácil encontrar testemunhas.
A
legislação atual previne esse tipo de abuso?
Não tem
como prevenir, porque é mais que uma questão trabalhista. É um conflito
permanente, porque é um conflito de classe social. Não vai ser uma PEC que vai
mudar isso. Porque o empregador é quem tem o dinheiro, e ele usa da força de
trabalho do empregado, que assina um contrato e topa se submeter. O empregado
está em uma situação de extrema necessidade financeira, muitas vezes, e não vai
discutir as cláusulas do contrato. E o empregador, sabedor dessa situação,
explora e abusa da boa fé do trabalhador.
Fonte: Medium
Fonte: Medium
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