Em primeiro lugar, a legislação que defende e trata dos direitos da
criança e do adolescente no Brasil é datada de 1990, ou seja, foi publicada
logo após a reabertura democrática do país. Nesse sentido, o Estatuto da
Criança e do Adolescente (ECA) rompe com a cultura menorista presente nos
Códigos de 1927 e 1979. Além disso, a Lei 12.594 de 2012 – Lei do Sistema
Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE) –, trouxe modificações de suma
importância no que diz respeito à execução de medidas socioeducativas e,
diga-se de passagem, ainda não foi implementada no país. Ademais, todos os
tratados internacionais que versam sobre a temática como as Regras de Beijing
(ONU, 1959), a Convenção sobre os Direitos da Criança (ONU, 1989) e os
Princípios Orientadores de Riad (ONU, 1990) foram ratificados pelo Brasil,
revestindo-se de status normativo-constitucional, o que torna inviável a
elaboração de legislação com eles conflitantes.
Cumpre informar que foram registrados 22.077 (número absoluto) atos
infracionais no ano de 2011 (FBSP, 2013¹). Extrai-se que os crimes hediondos,
que são considerados mais graves, não são a maioria dos atos praticados
por adolescentes, pelo contrário: estupro e latrocínio, por exemplo, compõem
apenas 2,9% dos atos infracionais registrados em 2011, enquanto os atos
infracionais análogos aos crimes contra o patrimônio e tráfico de drogas
correspondem a 72% desse total. Além disso, cabe desmistificar o argumento de
que a taxa de incidência de ato infracional tem aumentado. É bom lembrar que o
CNJ² aponta que em 2014 chegamos a uma população carcerária adulta de quase 715
mil presos no país³: temos a terceira maior população carcerária do mundo4 e isso não significa que estamos
reduzindo a violência no Brasil.
Infelizmente, constata-se que, ao flexibilizar garantias que protegem
estes adolescentes em situação de vulnerabilidade, sob o argumento de que
cometem crimes muito graves, os candidatos apenas saciam a ânsia
punitivista que demanda, de maneira irracional, o isolamento desses
sujeitos. Tal proposta afasta-se dos princípios norteadores do ECA, em
termos de proteção à adolescência, ao buscar punir cada vez mais
adolescentes em situação de conflito com a lei, acreditando ser esta a
solução para os problemas da criminalidade.
Nos parece muito mais sensato, na tentativa de aliar senso de justiça
ao interesse social – palavras tão utilizadas por candidatos –, propostas
que garantissem efetivamente a implementação e aplicação do ECA e do
SINASE em todo o território nacional, sendo possível, assim, falar-se em
soluções que implicam, essas sim, redução da violência e criminalidade –
parte integrante da vida de todos os jovens selecionados por esse sistema
de sociabilidade perverso. Ocorre que, ao relacionar de maneira
superficial justiça social e segurança pública, os candidatos
parecem desconhecer a realidade do cotidiano do Sistema de Justiça Juvenil.
Espera-se que os candidatos a presidente apresentem o compromisso
de efetivar pactos e documentos normativos relacionados à política
socioeducativa, como por exemplo a Carta de Constituição de Estratégias em
Defesa da Proteção Integral dos Direitos da Criança e do Adolescente.5
Por fim, destacamos que a sociedade brasileira não pode abandonar
as conquistas sociais positivadas na Constituição Federal de 1988 e
reconhecidas a todo e qualquer cidadão. À essa dinâmica atribui-se a
expressão vedação do retrocesso social6. Não há, portanto, lei
ou mecanismo subjacente à Constituição Federal que possa veicular decisões
contrárias às conquistas históricas do povo brasileiro, sendo toda e
qualquer medida anunciada flagrantemente inconstitucional.
Por todo o exposto, as entidades repudiam que essa e outras questões
que pactuem com o retrocesso dos direitos relacionados à criança e ao
adolescente estejam sendo pautados no debate eleitoral.
Brasil, 16 de outubro de 2014.
• Ação Educativa – Assessoria, Pesquisa e Informação • Aldeias
Infantis SOS Brasil • Assessoria Jurídica Popular Roberto Lyra Filho da
Universidade de Brasília / • Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais •
Associação Nacional dos Centros de Defesa de Direitos de Criança e Adolescente
• ANDI – Comunicação e Direitos • CEDECA (Alagoas/Alta Paulista/Casa Renascer/Ceará/Distrito
Federal/Dom Luciano/Emaús/Interlagos/Ivone da Glória/Tocantins/Limeira/Maria
dos Anjos/Minas Gerais/Padre Marcos Passerini/PROAME/Rio de Janeiro/SAPOPEMBA/Sé/Zumbi
dos Palmares) • Central Única dos Trabalhadores (CUT) • Centro Acadêmico André Franco Montoro da
Faculdade de Direito da Universidade do Estado de São Paulo • Centro
Acadêmico Antônio Junqueira de Azevedo da Faculdade de Direito de Ribeirão
Preto • Centro Acadêmico Luiz Carpenter da Universidade Estadual do Rio de
Janeiro • Centro de Assessoria Popular Mariana Criola • Centro de Direitos
Humanos e Educação Popular de Campo Limpo (CDHEP) • Centro de Educação e
Cultura Popular • Centro de Voluntariado de Apoio ao Menor • Centro Dom Helder
Camara de Estudos e Ação Social • Centro Popular de Formação da Juventude –
Vida e Juventude • Ciranda Brasil e Afro-brasileira de Comunicação
Compartilhada • Coletivo ArtSam • Coletivo da Cidade – Distrito Federal •
Comissão de Direitos Humanos Sobral Pinto da Ordem dos Advogados do Brasil
Seccional Rio Grande do Sul • Comissão Nacional de Defesa dos Povos Indígenas •
Comissão Permanente de Assuntos Indígenas da Ordem dos Advogados do Brasil
seccional Mato Grosso do Sul • Comitê Nacional de Enfrentamento a Violência
Sexual contra Crianças e Adolescentes • Comitê Latino Americano e do
Caribe em Defesa dos Direitos das Mulheres (CLADEM/Brasil) • Conectas
Direitos Humanos • Conselho de Assistência Social do Distrito Federal •
Conselho dos Direitos da Criança e Adolescente do Distrito Federal • Conselho
dos Direitos da Criança e Adolescente do Rio de Janeiro • Conselho dos Direitos
da Criança e Adolescente de Santa Catarina • Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil •Conselho Federal do Serviço Social • Conselho Federal de
Psicologia • Conselho de Integração Social (Integrasol) • Conselho Tutelar
Brasília 1 • Dignitatis Assessoria Técnica Popular • Diretório Acadêmico 28 de
Março da Faculdade de Direito de Franca • ECPAT Brasil • Faculdade Latino-americana
de Ciências Sociais/Brasil • Fé e Alegria • Federação Nacional das APAES •
Fórum dos Direitos da Criança e do Adolescente do Ceará • Fórum de Promotoras Legais
Populares do DF e Entorno • Fórum Nacional dos Direitos da Criança e do
Adolescente • Frente Cearense contra a Redução da Maioridade Penal • Frente
Feminista Periférica do Coletivo ArtSam • Fundação Abrinq • Grupo Asa Branca de
Criminologia da Universidade Católica de Pernambuco • Grupo Candango de
Criminologia da Faculdade de Direito da Universidade deBrasília (CGCrim-UnB) •
Grupo de Assessoria a Adolescentes Selecionados/as pelo Sistema
Penal Juvenil do Serviço de Assessoria Jurídica da Universidade Federal do
Rio Grande do Sul • Grupo de Defesa Integral de Adolescentes
Selecionados/as pelo Poder Punitivo do Serviço de Assessoria Jurídica da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul • Grupo de Pesquisa em Políticas
Públicas de Segurança Pública e Administração da Justiça Penal da
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul • Grupo de Pesquisa
Violência e Cidadania da Universidade Federal do Rio Grande do Sul • IDH –
MS • Instituto Braços – Centro de Defesa dos Direitos Humanos • Instituto de
Defensores de Direitos Humanos • Instituto de Estudos Socioeconômicos (INESC) •
Instituto Dom Fernando da Pontifícia Universidade Católica de Goiás • Instituto
Pro Bono • Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social • JusDh – Articulação
Justiça e Direitos Humanos • Justiça Global • Levante Popular da Juventude •
Movimento “18 Razões contra a Redução da Maioridade Penal” • Movimento Nacional
de Direitos Humanos • Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua (São
Paulo) • Núcleo de Assessoria Jurídica Popular de Ribeirão Preto da
Universidade de São Paulo (USP) • Núcleo de Estudos Aplicados Direitos,
Infância e Justiça da Faculdade de Direito da Universidade Federal do
Ceará • Núcleo Especializado de Situação Carcerária da Defensoria Pública do
Estado de São Paulo • Observatório da População Infantojuvenil em
Contextos de Violência da Universidade Federal do Rio Grande do Norte •
Pastoral da Criança • Pastoral da Juventude do Distrito Federal • Pastoral do
Menor • Plataforma Brasileira de Direitos Humanos Econômicos, Sociais, Culturais
e Ambientais (Dhesca) • Programa Interdepartamental de Práticas com
Adolescentes e Jovens em Conflito com a Lei da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul • Projeto Legal • Rede de Adolescentes e Jovens pelo Direito ao
esporte seguro e inclusivo • Rede de Articulação do Jangurussu e Ancuri • Rede
de Educação Cidadã Distrito Federal e Entorno • Rede Nacional de Advogados e
Advogadas Populares • Rede Nacional de Defesa do Adolescente em Conflito com a
Lei • Rede Justiça Criminal • Salesianos • Sociedade Espírita de Amparo ao
Menor Casa do Caminho • Terra de Direitos • União dos Escoteiros do Brasil •
Visão Mundial • EspaçoCultural EXPOGEO
2 Ver mais, a esse respeito em: <http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/28746-cnj-divulga-dados-sobrenova-populacao-carceraria-brasileira>
acesso em out 2014.
3 Se considerados o cumprimento de pena em todos os regimes,
inclusive o domiciliar.
4 Idem ao anterior.
5 Ver conteúdo completo da Carta em: <http://www.cnmp.mp.br/portal/images/stories/Carta_de_Constituicao_de_Estrategias_-_ultima_versao.pdf> acesso em out. 2014.
6 SILVA, José
Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros,
2010.”
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